Martin Luther King Jr , o Pastor Batista

CULTURA

10/3/20254 min read

Martin Luther King Jr., Créditos: Julian Wasser / LIFE / Getty Images.
Martin Luther King Jr., Créditos: Julian Wasser / LIFE / Getty Images.

Entre a não-violência, a radicalidade do amor e a denúncia profética, King deixou um legado que desafia a Igreja e a sociedade até hoje.

Muito além das frases de efeito repetidas em púlpitos e redes sociais, Martin Luther King Jr. foi um pastor batista negro cuja fé e teologia nasceram da experiência comunitária da população afro-americana diante da escravidão, do racismo e da violência. Sua trajetória não pode ser reduzida a uma mensagem de reconciliação abstrata: King foi um líder odiado pelos poderosos, perseguido pelo FBI, desprezado por colegas pastores e radical em sua exigência de justiça. Sua teologia, profundamente política, nasce da resistência das igrejas negras e continua a ecoar como denúncia profética contra o racismo estrutural e a tibieza dos que se dizem moderados. Entender seu legado é reconhecer que não há fé verdadeira sem compromisso com a libertação do povo negro.

Martin Luther King Jr , o Pastor Batista

Martin Luther King Jr. foi um pastor batista e ativista norte-americano, nascido em 15 de janeiro de 1929, em Atlanta, Geórgia. Ele formou-se em Sociologia pelo Morehouse College e obteve seu doutorado em Teologia Sistemática pela Universidade de Boston. A filosofia de não-violência de King se desenvolveu através de uma combinação de suas leituras teológicas e filosóficas, incluindo o trabalho de Henry David Thoreau sobre a desobediência civil, as ideias de Jesus sobre o amor aos inimigos, e, claro, as práticas de resistência não violenta de Gandhi. King acreditava que a não-violência era a forma mais poderosa e moralmente correta de lutar contra a injustiça e a opressão.

King é mais conhecido por seu papel fundamental no movimento dos direitos civis nos Estados Unidos durante os anos 1950 e 1960. Ele fundou a Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC) em 1957, uma organização que coordenava protestos pacíficos contra a segregação racial. King promoveu a desobediência civil não violenta como uma forma de resistência, inspirando-se em Mahatma Gandhi. Seu famoso discurso "Eu Tenho um Sonho" durante a Marcha sobre Washington em 1963 é um marco na luta pela igualdade racial. King recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1964 e foi assassinado em 4 de abril de 1968, em Memphis, Tennessee.

Importante lembrar que espírito de denúncia e confronto do pastor batista Martin Luther King Jr. é um lado que tentam esconder desse profeta da era moderna, que quando, ao ser preso por desobediência civil, se dirige a oito pastores brancos afirmando: “Já faz anos agora que ouço dizerem ‘Espere!’. Isso soa aos ouvidos de todos os negros com uma excruciante familiaridade. Esse ‘Espere!’ quase sempre significa ‘Nunca’”.

Muito se fala de Martin Luther King Jr. nos púlpitos brasileiros. Usam-se suas falas desconectadas do contexto, sem se aprofundar na sua teologia, que era extraordinariamente política, a partir da experiência das igrejas negras nos Estados Unidos; resultado de uma fé viva, que experimentou a escravidão e o racismo, mas se organizou comunitariamente. É dessa religiosidade negra —“uma alternativa revolucionária para a religião branca”, segundo James Cone— que nasce um dos maiores líderes do século 20. Em tempos em que parte da igreja evangélica está imersa em discursos de ódio e de injustiça, é preciso falar de uma experiência religiosa que surge das favelas, das periferias e dos que sofrem.

Pastores brancos e conservadores têm usado Luther King contra a luta antirracista, tentando projetar uma figura domesticada, separada do movimento negro e consequentemente tentando paralisar os negros dentro das igrejas. É por isso que precisamos falar de quem, segundo Cornel West, era o radical do amor, da justiça, da coragem e da liberdade: "O legado radical de King permanece principalmente entre os jovens que despertam e os cidadãos militantes que escolhem ser extremistas do amor, da justiça, da coragem e da liberdade, mesmo que as nossas hipóteses de vencer sejam as de uma bola de neve no inferno! Este tipo de extremismo imparável ao estilo de King é uma ameaça a todo o status quo!"

A trajetória de de Martin não foi fácil, segundo o filósofo e líder batista Cornel West, ele foi desprezado por muitos enquanto viveu, mas importante dizer que a sua igreja nunca o abandonou, West diz: "J. Edgar Hoover disse que ele era “o homem mais perigoso da América”. O presidente Johnson chamou-o de “neguinho pregador”. Outros ministros cristãos, brancos e negros, fecharam seus púlpitos para ele."

Luther King não romantizou a reconciliação entre brancos e negros quando falou: “Eu não tenho nenhuma fé nos brancos no poder [...]. Eles vão nos tratar como trataram nossas irmãs e irmãos japoneses na Segunda Guerra Mundial. Eles vão nos jogar em campos de concentração [...]. Os doentes e os fascistas serão fortalecidos.”

Para o líder do Movimento dos direitos civis, a reconciliação tinha parâmetros estabelecidos a partir da experiência dos oprimidos, dos que eram assassinados e violentados, mas ele vai além e diz: “Tenho de confessar que ao longo dos últimos anos decepcionei-me seriamente com os brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que a maior pedra no caminho dos negros em seu avanço rumo à liberdade não é o White Citizen’s Counciler ou o membro da Ku Klux Klan, mas os brancos moderados.”

Alguns tentam criar uma figura de King que não cobra dos brancos uma posição radical pelo fim do racismo, e sua responsabilização enquanto sujeitos que operam grandes opressões contra outros povos, o pensamento que conseguimos visualizar aqui passar por uma posição extremamente crítica, que não admite moderação diante da morte do povo negro e nem confia em brancos no poder quando pensamos a história moderna do mundo ocidental.

Portante, não entenderemos o legado de Luther King se não entendermos o seu compromisso com a luta pela libertação do povo negro. Ele foi um pastor negro odiado por fundamentalistas. No seu discurso havia tensionamento racial, e sua trajetória foi forjada dentro da própria comunidade negra.

Fontes:

https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/apr/04/martin-luther-king-cornel-west-legacy

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/perifaconnection/2021/08/deixe-de-esperar-a-compaixao-da-igreja-branca-pela-derrubada-de-seus-idolos.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/09/a-igreja-evangelica-e-martin-luther-king.shtml


CARSON, Clayborne (Org.); KING, Martin Luther. A autobiografia de Martin Luther King. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.